quinta-feira, março 18, 2010

Extraordinário - 194

O amor acabou. Quando ele realmente começou? Quando ele chegou a um ponto final? Ele desconhecia as respostas para essas perguntas difíceis. E, mesmo ao tentar desvendá-las, teve de escrevê-las duas vezes. Ele tinha certeza de que não as faria jamais. O amor acabou. O encanto sumiu. Ele já não espera ansiosamente a ligação. Ele já não procura o orelhão mais próximo para ligar. Ele já não escreve cartas. Ele já não chora sobre as cartas. O coração não acelera mais... A vida continua. O amor acabou. Extraordinário. Ele decreta o fim dos clichês. Ao menos por enquanto, enquanto isso durar...

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Livre-se - 193

Incrível a sua capacidade de pular de casa em casa, de quarto em quarto... quando vai repousar na minha sala? Não tem sofá... vamos ter de nos sentar no chão gelado, jogar as cartas no piso que estava molhado e, nessa informalidade, descrever o que se passa em minha cabeça. Onde dormiremos? Não sei. Só tenho consciência de que vou abrir a janela e olharei o céu... escuro. Da minha janela, eu tento exagerar a vida lá de baixo. Eu sempre exagero... e, assim, choro e caio em desespero. Por outro lado, há uma porta sempre aberta que permite que eu saia quando eu bem quiser. E, sem rodeios, eu brinco de sair... Livre-se de todas as amarras que eu utilizei para te prender. Mas, caso decida voltar, é provável que as chaves sejam outras.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Você não precisa ler isso! - 192

Um texto esquecido no banco da praça... "Você não precisa ler isso!". O garoto, porém, desamassou o papel envelhecido e começou a ler as frases escritas com uma caligrafia linda. Ele, a princípio, tentou descobrir quem escrevera a carta... "Eu mexi nas suas gavetas... e vi o presente surpresa que você comprou para mim. Quando você vai me entregar? No meu aniversário? Quando a gente completar um mês de namoro? Quando eu, finalmente, dizer te amo?"... O garoto queria encontrar algum nome, algum endereço, alguma indicação... Revirou o papel... Cheirou o papel... "Eu te encontrei quando estava procurando um relacionamento. Você surgiu tão perto... Sorrindo... Você mora tão perto... Gosto de sua cabeça deitada no meu peito. Gosto de acariciar o seu cabelo. Não quero saber sobre o seu passado. Não quero saber com quem saiu, com quem se divertiu. Agora você é meu. Me encontre à meia-noite naquele lugar que é nosso." O garoto, então, chorou... mais uma vez. "Naquele lugar que é nosso." Ele repetiu a frase em voz alta... e chorou! Ele descobrira o remetente, o destinatário, o endereço e o lugar... deles!

P.S: "I noticed a letter that sat on your desk/ It said:"Hello, love./I love you so, love. /Meet me at midnight. /And no, it wasn't my writing/ I'd better go soon/ It wasn't my writing" ("Your House", de Alanis Morissette)

domingo, janeiro 31, 2010

Por que você me tirou para dançar? - 191

Eu estava quieto, parado no canto do clube cheio... mas você surgiu e sem rodeios me tirou para dançar. Eu desconhecia os passos. Não sabia se pegava em sua mão, se encostava em seu rosto, se acariciava o seu cabelo. Você tentou me ensinar como se dançava, estava paciente... Já fazia um tempo que eu admirava o modo de você levantar os braços para o ar, celebrando o insano desejo de cantar, dançar, pular... Por que você me tirou para dançar? Quando eu já parecia te acompanhar no mesmo ritmo, você largou a minha mão. Por que você me tirou para dançar? Algumas vezes, eu me sinto perdido no meio da pista... Mas reconheço os caminhos pelos quais ando... e retorno, sigo um fluxo que me parece ser mais justo... e encontro alguns atalhos. Em lugares que nem imaginaria que seria possível ter tantos segredos...

P.S: "The way you look at me/ the way you touch me/ The fire in your eyes/ (makes) me swear, makes me shiver inside/ There's nothing I can do about it" ("Shining Star)

sábado, janeiro 30, 2010

Free to Decide - 190

Cansei de usar a razão. Não me venha com números, cálculos incalculáveis, teoremas já existentes... Eu quero mesmo bagunçar o meu já extremado coração. Com sílabas indecifráveis, jogos de esconde-esconde, misteriosos desafios... você seria capaz de encontrar a senha que me leva às minhas decisões. Eu estou prestes a jogar para escanteio esta minha tentativa de agradar sempre, de não falar que não quero estar ao lado de rostos mascarados ou de ouvir o barulho intenso, quando, de fato, eu quero olhar o teto do seu quarto branco e tentar saber porque você não desenhou estrelas... Eu sou livre para decidir... e, por mais que falem que eu tomo decisões precipitadas ou que demore a dizer "sim"... eu quero mesmo é viver intensamente. Mesmo que isso signifique apenas tocar, de leve, o seu rosto com meus dedos limpos...

P.S: "It's not worth anything more/ Than this at all/ I'll live as i choose/ Or i will not live at all" ("Free to Decide", do The Cranberries)

quinta-feira, janeiro 28, 2010

Ameaça - 189

Ela confessou que queria ser uma ameaça. Terrorista, provavelmente. Queria te surpreender no meio da rua, mirar sua boca e te beijar. Sim, sim, entre tanta gente chata e reunida. Entre aquele que um dia a esnobou. Ela queria ameaçá-lo com sílabas doces, mas gestos grosseiros. Pegar em seu cabelo, cortar sua barba, arrancar o seu coração. Pulsando... sangrando... queimando de calor. Ela quer ser uma ameaça. Permitir ser uma louca desvairada... Uma ameaça. Terrorista. Com bombas no coração para te mostrar como ela vive intensamente. Uma ameaça. Um grande barulho... uma ameaça. Indicada aos mais loucos desejos... ao dela! Mas, por enquanto, ela é silenciosa... ainda assim uma ameaça.

P.S: "Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher/ Sou minha mãe e minha filha, /Minha irmã, minha menina/ Mas sou minha, só minha e não de quem quiser/ Sou Deus, tua deusa,meu amor" ("1º de Julho", interpretada por Cássia Eller)

segunda-feira, janeiro 25, 2010

Vinte minutos - 188

A mão suava. O menino esperava a resposta imediata. Não tinha saída. Era aguardar a crueldade da verdade ou a fantasia da mentira. Ele tremia. Olhava para o lado direito e para o esquerdo. Tinha de ter certeza de que contava rostos conhecidos... Um, dois, três... Cinco minutos. Por dois segundos ou mais, ele chegou a pensar que falaria seus segredos menos íntimos: aqueles mesmos que ele já não consegue disfarçar quando escreve em seu diário de páginas manchadas. Dez minutos. Ele já não tremia tanto. Já embarcava, talvez, no barco misterioso. Fazia um calor insano. Alguns graus a mais, alguns quilômetros percorridos... ele não tinha noção da exatidão da distância vencida... e pronto: já não era calor, já não era a multidão... era simplesmente uma vontade de colocar o mundo em seu carrinho de compras e abraçar, sobretudo, você.

P.S: "Ainda é válido, mesmo que tenha acontecido quando eu estava inconsciente. É duplamente válido, porque a mente consciente muitas vezes comete erros e se deixa seduzir pela pessoa errada" (trecho do conto "O Quintal Compartilhado", de Miranda July)