sábado, junho 28, 2008

O passo - 97

Não sei qual o ritmo que você tem dançado. Mas, definitivamente, resolvi sintonizar em uma rádio diferente. Em uma na qual não conheço os artistas que desfilam seus versos com a falsa pretensão de me fazer chorar. Eu dou risada... finjo em não saber que você não sabe dançar. Agora o coreógrafo tende a ser eu. Assim, você não irá rebolar, não irá saltar, criando um novo passo. Não vejo a hora de te mostrar qual o pé que será o primeiro a se deslocar para a esquerda... não sei se você vai querer aprender, mas eu não me importo. Ou acho que não me importo, confesso. Nem é lamento ou só lamento... é a dura verdade de não dançar conforme o tom, a música, o verso... Adoraria saber se irei olhar em seu olhar quando estiver falando contigo.

quarta-feira, junho 25, 2008

Eterno recomeço - 96

Decidi não dirigir a palavra a você. Não diretamente. Falarei somente por meio de entrevistas, depoimentos, livros, escritos... Citarei os autores que eu nunca li. Vou confessar passagens de livros que eu, um dia, pretendo escrever... Não darei dicas para você me decifrar. Vou querer colecionar frases feitas, aquelas mesmas que você, alguma vez, tentou me ensinar, quando a luz estava apagada...
A partir de agora, recortarei as frases mais lindas que eu nunca li. "Busco não a carreira, mas a permanente estréia, o eterno recomeço"... Um recomeço sem você ao meu lado ou me olhando de lado como se me reprovasse ou estivesse pronto para me devorar. Se ainda me perseguir, direi as mais perigosas palavras para preencher o barulho absurdo... vou querer o silêncio do silêncio... você ouviu isso?

P.S: "... o modo mais leve de desvalorizar o tempo é convertê-lo em história." (Mia Couto, em entrevista sensacional para o Estadão)

terça-feira, junho 24, 2008

Senhas - 95

Poderia, por gentileza, trocar de endereço? Mude-se para a rua de trás, mas esqueça de me informar o número de seu novo apartamento. Aquele mesmo que encontramos juntos, depois de rasgar jornais de classificados. Quero esquecer as senhas que dão acesso a você. Vai ser preciso dar um tiro na minha cabeça? Se eu encontrá-lo e lhe entregar o revólver, você atiraria? Ou correria para o mundo fictício, medíocre, que tanto critica? Estou prestes a te dizer tantas mentiras... falta pouco. Muito pouco... Retire esta escada que me leva até a sua janela... desative a campainha... não atenda o telefone.

P.S: "Eu gosto dos que têm fome/ Dos que morrem de vontade/ Dos que secam de desejo/ Dos que ardem..." ("Senhas", de Adriana Calcanhotto)

domingo, junho 22, 2008

Bêbado - 94

Escrevo um texto completamente bêbado da felicidade de te reencontrar. Escrevo um texto completamente bêbado da necessidade de ouvir sua voz. Não há ruído: apenas um som punk que nos ajuda a divagar, a falar devagar... eu te entendo! Eu te respeito! Eu o quero feliz... escrevo um texto completamente bêbado de cervejas, cujas latas já estão espalhadas pelo chão da sala. Eu me lembro do seu rosto... eu fico feliz em ver o seu rosto. Escrevo um texto completamente bêbado... não sei como vou chegar em casa. Não sei se irei tirar a roupa para dormir... não sei se vou conseguir chegar a tempo. Escrevo um texto completamente bêbado.... de alegria! De revisita...

sábado, junho 21, 2008

Vingança - 93

Eu, novamente, dei o primeiro passo. Em falso. Desligada a lâmpada, procurei pela lanterna. Mas não a encontrei. E, no escuro mesmo, eu chorei. Tentei te chamar, mas você, com os fones no ouvido, recuou e tentou escutar a voz de Deus. Eu, em contrapartida, berrava, mas dizia palavras sem sentido, em outro idioma. Alguma coisa está fora da ordem... Na escuridão, dei um tiro em mim. Dei um tiro na minha triste memória, que ainda carrega seus olhares para tudo que é lado. Quando não penso em você, fico vivo. Distante de ti, cresço. Tão perto de você, sumo, me despedaço... desapareço na mesma escuridão. Preciso de uma luz que cega...

quinta-feira, junho 19, 2008

Há sempre uma questão - 92

Não sei quando foi a última vez que você rodou a saia ao dançar comigo. Esta lembrança já desapareceu da minha memória... eu não me lembro qual foi o último CD que comprou. Nem sei em que momento desistiu de ler aquele livro que comprou no sebo... Não sei qual o seu rosto. E pior: não quero que seja obrigada a me enviar uma carta imensa, com imagens e uma série de lágrimas sobre o papel. Eu já desisti de você...
Não te informo qual o trajeto que faço na volta para casa. Não te conto qual o livro que está na cabeceira da minha cama - será que foi aquele que comprou para mim? Não quero mais dividir mais nada. Estou na fase da multiplicação...

terça-feira, junho 17, 2008

Blue color - 91

O lugar parecia estar tão escuro. Não era a minha sala, nem o meu quarto. No entanto, uma luz azul refletia o corpo do menino que ficava parado apesar do som, do ar. Já no escuro, de olhos fechados, a menina dançava o ritmo frenético da vida. E, sem enxergar as suas mãos, nem mesmo a foto que segurava, percebia que começava a esquecer o rapaz de cor azul. Ela, no fundo, não desejava isso a ninguém. Ao mesmo tempo, queria, mais uma vez, abrir os olhos e não ver mais nada. Saudades, imagens, verdades e diálogos, estes tanta vezes colocados à mesa de discussão. Não queria perceber as diferenças, enxergar olhos escuros no meio da claridade transparente. Ela estava nua. Ela estava livre... mas ainda havia um cadeado. Ela está procurando as chaves... ela está a ponto de encontrá-las. Ele nem vai perceber...

P.S: tentei postar ontem, mas não consegui... houve um problema no blogspot, se não me engano. Confesso: há textos explodindo por aqui... sobre quase tudo quase.

sexta-feira, junho 13, 2008

Bip - 90

Deixei o recado sem pensar nas palavras. Escolhi palavras aleatórias... você poderia repetir para mim o que eu disse? Acreditou em todas as sílabas? Nem eu mesmo acredito, se deseja saber... na verdade, não creio em quase nada. Nado em uma piscina fictícia de bolinhas... durmo no chão, pensando que estou nas nuvens... você ainda se leva a sério? Ainda julga ser tão importante? Calma... deixa-me ver a lista de prioridades... qual seu sobrenome mesmo? O meu telefone? Continua o mesmo... mas não o atendo sempre... deixe recado ao final do sinal... pode ser o mesmo que deixei para você.... não entendeu palavra alguma?

quarta-feira, junho 11, 2008

Surpresa!? - 89

Confesso que não esperava você preso do outro lado da linha. Eu ainda sonhava quando você me ligou. Disse casos besteiras, me cercou, mas não fez perguntas... eu ainda dormia, mas repetia palavras que havia aprendido um dia antes no programa sensacionalista a que assisti. Eu não me lembrava de nada... E não consigo recordar o que você me explicou, com paciência, àquela hora do dia. Era alguma tese que defendia? Era uma maneira de se desculpar? Eu desliguei o telefone primeiro. Dobrei o edredon e o meu pijama, arrumei a cama e fiz uma foto de mim mesmo. Você não me reconhece mais...

P.S: "Não te reconheço mais/ Tuas roupas são outras/ E soltas de mim/ As palavras da tua boca" ("Às Vezes Nunca", de Christiaan Oyens e Zélia Duncan)

segunda-feira, junho 09, 2008

Caminhando e cantando - 88

Eu canto versos próprios... muitos deles inventados por pessoas que não conheço, cujos nomes me esqueço no meio da frase. Cansei de repetir as mesmas rimas... você não sabe mais a seqüência das notas musicais do meu violão. Eu canto. Eu caminho... digo frases com começo, mas sem fim... eu sei aonde quero chegar. Pode ser no meio da confusão ou na praia cinzenta, cheia de concreto de uma avenida contente. No mapa, não te localizo mais... em que mundo eu vivo? Nem eu quero saber...

sexta-feira, junho 06, 2008

Passagem só de ida - 87

Não perguntei se você iria me acompanhar... Apenas peguei meus segredos mais seguros, os coloquei na mochila e peguei o primeiro avião. O destino? Nem eu sei... só sei que aqui é lindo, há rostos muito diferentes do seu e há novidades pelo chão. Assim, me esqueço de seus esquecimentos... simples assim. A casa onde estou hospedado é aconchegante. Há quadros espalhados pelas paredes... fotos de lugares que ainda irei visitar: uma montanha, uma praia e uma caverna, onde você ainda está...

terça-feira, junho 03, 2008

É frio - 86

O que adianta termos o mesmo signo? O que adianta você ter anotado em seu coração o meu telefone? O que adianta promessas não cumpridas? Está frio e você nem se preocupa se estou protegido do monstro do armário. Irrita-me a sua (in)capacidade de pensar que não precisa assinar o livro de visitas. Não diga que a caneta não funciona: há tantas possibilidades. Quando eu te visitei, não havia lápis, caneta, nada, mas, mesmo assim, deixei assinaladas as minhas impressões digitais na cadeira, no sofá, na cama, em suas mãos...

P.S: "Qual é seu nome eu sei/Tempo de frio prazer/O mesmo nome hei de ter/Frio que rasga os lábios meus" ("Signo de Câncer", de Otávio Toledo, cantada por Bruna Caram)

domingo, junho 01, 2008

Quartos vazios - 85

Eu vou voltar para revirar o quarto vazio. Vou procurar na parede nua as marcas das minhas costas. Será que encontrarei as impressões digitais na janela? Será que respirarei o ar que deixou lá dentro? Conversarei comigo mesmo... tentarei entender, ao menos, por que continuo arrumando este dormitório tão quieto... não há mais objetos soltos pelo chão, não há dinheiro jogado sobre a cama, não há toalha pendurada na porta, não há mais chinelos e sapatos, que denunciavam por onde andava. Praia, campo, terra batida sofrida... nem mesmo os vestidos longos, alguns sujos de suor, podem ser vistos por aqui... não há mais nada. Eu não trago mais nada, embora sempre volte para rever os dois quartos vazios...